Em apenas quatro anos, o Brasil pode se tornar uma nação com
capacidade de planejar e operar missões no espaço profundo. Mais
especificamente, um nanossatélite que percorra a distância média de 384,4 mil quilômetros que separam a Terra de seu satélite natural.
É este o plano do projeto Garatéa-L, que será apresentado na noite desta terça-feira (29) na Escola de Engenharia de São Carlos da USP: enviar, pela primeira vez na história, uma sonda brasileira para sobrevoar a órbita lunar.
Lá, ela deve coletar dados sobre a superfície e conduzir experimentos
científicos pioneiros com micróbios, moléculas e até células humanas.
“A ideia é nos beneficiarmos da recente revolução dos nanossatélites, mais conhecidos como cubesats,
para colocar o país no mapa da exploração interplanetária”, afirma em
comunicado o engenheiro espacial Lucas Fonseca, que trabalhou na Agência
Espacial Europeia e colaborou com a épica missão Rosetta, aquela que em 2014 realizou um inédito pouso suave no cometa 67P.
De volta ao Brasil em 2013, ele abriu a própria consultoria espacial, a Airvantis.
Nos últimos anos, uniu esforços com pesquisadores das principais
instituições brasileiras de pesquisa para desenhar o projeto batizado de
Garatéa-L que, se bem sucedido, colocará o Brasil entre as poucas
nações capazes de enviar missões para além da órbita terrestre.
A primeira missão lunar brasileira está sendo desenvolvida em conjunto
por cientistas dos principais institutos de pesquisa do país: do INPE
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do ITA (Instituto
Tecnológico de Aeronáutica), da USP, do LNLS (Laboratório Nacional de
Luz Síncrotron), do Instituto Mauá de Tecnologia e da PUC-RS (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Para vencer os desafios pela frente, que não são poucos, e
arrecadar os necessários R$ 35 milhões, os pesquisadores já estão
correndo atrás de órgãos de fomento à pesquisa e também de
patrocinadores da iniciativa privada. “É um modelo novo de missão, com
os olhos para o futuro, que pode trazer muitos benefícios para o país”, diz Fonseca.
O fato é que a espaçonave precisa
estar pronta para voar até setembro de 2019 – ano simbólico em que o
primeiro pouso do homem na Lua completa 50 anos. O nanossatélite pegará
carona com um foguete indiano, o PSLV-C11, que já enviou com sucesso uma
missão à Lua em 2008.
O lançamento será em parceria com duas empresas britânicas, além das
agências espaciais Europeia (ESA) e do Reino Unido. “É uma oportunidade
única de trabalhar com os europeus num projeto que pode elevar as
ambições do Brasil a um outro patamar”, diz Fonseca. Diversos cubesats
além do brasileiro serão transportados à órbita lunar por uma nave, que
transmitirá os dados coletados por pelo menos seis meses.
Coordenado por Douglas Galante, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, e Fábio Rodrigues, do Instituto de Química da USP, em São Paulo, o objetivo do experimento é investigar os efeitos do ambiente espacial interplanetário sobre diferentes formas de vida.
Iniciativas parecidas já foram conduzidas pelo grupo na estratosfera terrestre, através de balões meteorológicos. Ali, os raios ultravioleta do Sol são mais intensos, pois não sofrem a filtragem da camada de ozônio. Ainda assim, nem se comparam com a hostilidade do espaço profundo.
“A busca por vida fora da Terra necessariamente passa por entender como ela pode lidar – e eventualmente sobreviver – a ambientes de muito estresse, como é o caso da órbita lunar”, diz Galante. “O conhecimento obtido com a missão sem dúvida ajudará a compor esse difícil quebra-cabeça.” Os estudos são tão importantes na missão que renderam-lhe o próprio nome: Garatéa, em tupi-guarani, quer dizer “busca vidas”. A letra L faz referência ao destino “Lunar”.
Outro instrumento vai medir os níveis de radiação: pode gerar resultados relevantes para outros países que estão planejando enviar missões tripuladas à Lua. O experimento com amostras de células humanas, coordenado por Thais Russomanno, do Centro de Pesquisa em Microgravidade (MicroG) da PUC-RS, tem o mesmo potencial.
Ele vai verificar os efeitos da radioatividade extrema
do espaço profundo, distante do campo magnético terrestre e de seu
escudo protetor. É essencial investigar as possíveis consequências
daquele ambiente no organismo de astronautas – a presença humana na Lua, em Marte ou em outros destinos do Sistema Solar depende disso.
A
Garatéa-L também fará estudos da superfície lunar. A órbita polar da
sonda vai permitir a coleta de imagens da região da chamada bacia
Aitken, que fica no lado escuro da Lua e, portanto, é de grande
interesse para os cientistas.
O diferencial da câmera é
que ela abrange diversas regiões do espectro da luz, tecnologia
desenvolvida pela equipe do INPE. Como frisa Fonseca, os impactos serão
profundos na capacitação de nossa comunidade científica. Mas não para
por aí. “Isso sem falar no impacto educacional de inspirar uma nova geração a olhar para o céu e acreditar que nada é realmente impossível, se você tem foco e dedicação.”
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